quarta-feira, 17 de julho de 2013

El Empleo (2008)

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El Empleo de Santiago Bou Grasso é uma curta-metragem de animação argentina que apesar de retratar muitos dos problemas que afectam qualquer sociedade dita ocidental e moderna, está estranha e assustadoramente real e presente nos dias pelos quais hoje atravessamos.
Um homem acorda com o barulho do seu despertador. Faz a sua rotina matinal... Acende a luz, veste-se, prepara o pequeno almoço e senta-se à mesa antes de vestir o casaco e preparar-se para sair rumo a mais um aparente cansativo dia de trabalho.
No entanto algo que parecia um conjunto de tarefas perfeitamente normais, cedo ganha contornos mais assustadores quando percebemos que enquanto se barbeia está um homem a agarrar no seu espelho. Quando se senta não é à mesa nem numa cadeira, mas sim nas costas de um homem, enquanto outros dois lhe servem de mesa, e que antes de sair retira o seu casaco de um bengaleiro que, mais não é, do que uma mulher que aguarda pacientemente naquela posição sem proferir um único ruído. Aliás, como todos os outros que estão ali para o servir.
É à medida que começamos a olhar para este homem como mais um dos muitos que numa sociedade de indiferença se encontra indiferente aos problemas da mesma e daqueles que o rodeiam, que percebemos que afinal toda ela está com uma acentuada crise de valores onde a sobrevivência impera e é mais forte do que a moral que nela queremos presente.
Enquanto ruma ao seu local de trabalho montado num outro homem que lhe serve de táxi, e enquanto aguarda que o semáforo (dois outros que com a camisa verde ou vermelha indicam a disponibilidade do trânsito), a nossa antipatia para com aquela figura ganha contornos assustadoramente crescentes, e percebemos que aquele homem representa os inúmeros atropelos aos direitos fundamentais de dignidade, do trabalho e de um desenvolvimento económico coerente com valores que pensávamos adquiridos.
No entanto, é quando chega ao seu local de trabalho, e depois de mais uma série de estranhas ocorrências, que percebemos que afinal as amarguras e atropelos da sociedade moderna a esses mesmos direitos fundamentais são não só uma constante presença como pior, percebemos que eles se perpetuam num ciclo sem limites que ocorre em todas as direcções e praticados por parte de todos. É quando finalmente percebemos qual o seu trabalho que o brilhante argumento que Patricio Plaza escreveu ganha um contorno perfeitamente avassalador e nos desmonta, bem como às nossas crenças, muito rapidamente e percebemos que um mundo que idealizamos ou pensámos está definitivamente perdido e que os seus reflexos são agora uma constante aqui ironizada, mas que é feito com uma acidez cortante e para com a qual não temos nenhum tipo de reacção possível a não ser pensar que isto a que aqui assistimos não é o que queremos (ou será?).
Santiago Bou Grasso tem um olhar mordaz e altamente corrosivo sobre os problemas que afectam as sociedades contemporâneas. Problemas esses pelos quais passou uma Argentina no início deste novo século, e pelos quais passa agora uma Europa devastada por uma crise que sectariza violentamente toda a sua sociedade, relegando para um plano quase inexistente valores pelos quais este espaço sempre se regeu, e diminuindo drasticamente, quase até ao seu desaparecimento, esses direitos fundamentais entre os quais se encontra uma dignidade aparentemente perdida, onde as trabalhos outrora desempenhados pelas máquinas que vieram substituir o Homem, voltam elas agora a desaparecer fazendo com que esse mesmo Homem volte ele próprio a ser encarado como a "máquina" que as deve executar, desprovido de direitos, de valores, de dignidade e principalmente da sua própria Humanidade.
Mas existe ainda um sentimento de empatia que precede a esperança. A empatia que julgávamos perdida surge quando percebemos o que realmente faz de profissão este homem, e que é também ele um fruto de uma sociedade que já não compreendemos. A esperança, essa surge já depois dos créditos quando percebemos que aquela figura inicial a que pouca importância nós próprios demos, o homem candeeiro, é ele próprio o sinal de revolta que faz mudar pensamentos, mentalidade e a sociedade que não queremos ver... e é nele que depositamos a nossa esperança e o encaramos como o símbolo e o gesto que queremos, e devemos, todos nós fazer.
El Empleo é não só uma lição como principalmente um filme actual, que fará História, e ao qual todos nós devemos assistir, do e com o qual deveremos retirar as nossas próprias conclusões. Numa única palavra apenas o posso caracterizar como excelente... mas imperdível, magnífico ou obra de arte seriam também elas boas designações que se lhe poderiam aplicar.
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10 / 10
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1 comentário:

  1. São verdades, que podem mudar o curso de toda uma história se analisada do ponto, analítico e crítico, para o humanizar os desfavorecidos

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