sábado, 26 de abril de 2014

Les Grandes Ondes (à l'Ouest) (2013)

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As Ondas de Abril de Lionel Baier é uma longa-metragem em co-produção luso-franco-suíça presente no âmbito do IndieLisboa e que melhor dia para ser exibida do que no próprio dia 25 de Abril sobre o qual versa a sua acção.
Quando em Abril de 1974, Julie (Valérie Donzelli) uma dedicada feminista, Cauvin (Michel Vuillermoz) um repórter de guerra que agora sofre com os efeitos da perda de memória e Bob (Patrick Lapp) um técnico de som, são enviados a Portugal para uma reportagem sobre a ajuda e apoios monetários suíços ao país, estavam longe de imaginar que se encontrariam no centro da Revolução dos Cravos que iria, de uma ou outra forma, alterar radicalmente as suas próprias vidas.
Com o apoio de Pelé (Francisco Belard), um jovem que os assiste nas suas entrevistas e muita vontade de levar de volta à Suíça algo consistente, percebem que as mesmas em nada os auxiliam decidindo que está na altura de regressar sem material suficiente... até que de repente são alertados para a revolução que estalou em Lisboa para onde decidem partir e tentar captar imagens que lhes garanta um regresso vitorioso.
Lionel Baier e Julien Bouissoux escrevem este argumento baseado em acontecimentos verídicos de uma forma simples e bem disposta mas que de uma maneira muito peculiar consegue captar a essência e o espírito do momento.
Qualquer um de nós quando depara com uma peça sobre o 25 de Abril retém de imediato o fim do regime austero e ditatorial que estão inerentes ao mesmo mas nunca, de forma alguma, ousa pensar que aos olhares do século XXI muitos destes momentos só poderiam ser encarados com algum humor e boa disposição a que o próprio relato nos obriga. Sem esquecer o peso do regime, Baier e Bouissoux concentram-se não tanto na austeridade da época mas sim em pequenos e caricatos momentos que caracterizam a falta de comunicação entre suíços e portugueses que levam a alguns dos momentos mais bem dispostos e sui generis deste filme, e para o qual contribui de forma decisiva a interpretação de Vuillermoz. Somos assim levados a um conjunto de entrevistas que prezam pela caricatura de um regime que se pensava imperial e magnânimo, mas que na prática apenas contribuiu para uma enorme dose de ignorância e miséria por parte do seu povo que, ainda assim, sempre se sentiu no dever de bem receber e agradar sem se questionar daquilo que realmente era ou representava. Mesmo por detrás de cada momento mais cómico existe um laivo de tristeza e solidão que, sendo tão portugueses, são tão bem retratados, e de forma fiel, por um suíço.
Não esquecer ainda o olhar aguçado feito aos "homens do regime" do Portugal de então. Desde o professor amável mas tirânico, ao operário que não querendo alguém de "outras raças" (num brilhante registo de José Eduardo), não deixa de os ter por perto para o servir, ou até mesmo a ridicularização que se exerce neste filme aos PIDE's através de um dos momentos mais curiosamente bem dispostos de todo o argumento. Com um olhar distante, mas ao mesmo tempo tão próximo, Baier consegue cativar o espectador pela comédia depreciativa destas figuras mas ao mesmo tempo humanizadora para com um povo respeitando-o, e acima de tudo, ao espírito livre que surgiu com a queda de um dos mais brutos regimes do século XXI. Como o próprio disse no Cinema São Jorge aquando da apresentação do mesmo, "nos dias difíceis e perturbados que a Europa vive nada melhor do que poder ultrapassar as dificuldades (sor)rindo das mesmas e de todas as pequenas características que fazem de nós únicos". A percepção da importância desta história bem como do momento que atravessamos, e que atravessa a Europa no seu todo, esteve não só presente nesta apresentação de Les Grandes Ondes (à l'Ouest), assim como no próprio filme que termina com a referência de que de "Lisboa a Atenas os povos levantam-se contra a austeridade", o que tornou a sua exibição neste dia um elemento bem positivo para o mesmo e para aqueles que a ele assistiram.
Donzelli, Vuillermoz, Lapp e Belard fazem um quarteto perfeito. Rodeados de bastante humor e pequenas doses de drama como reflexo das suas vidas, este conjunto de actores consegue humanizar não só a história como principalmente as vidas daqueles que representam. Enquanto os três primeiros sentiam, e precisavam, a necessidade das suas vidas voltarem a ter um novo propósito e rumo, o "Pelé" de Belard representa aquele que desesperadamente sabia que o seu futuro seria inexistente e, tal como tantos outros, estava já empenhado e perdido numa guerra que o iria para sempre transformar. Marcante, para mim, o momento em que após passada a fronteira com Espanha assiste a um jovem que, tal como ele, corre para um futuro que não sente ter e lhe responde com um simples mas premonitório e determinante "até já".
Se os momentos já "vividos" em Lisboa quase se aparentam a um sonho muito alternativo pelo retrato que Baier faz do momento, não é menos verdade que em muito corresponde aos próprios relatos que muitos de nós já escutaram sobre aquele dia vibrante. E se muitos hoje questionam a importância e a positiva relevância que o dia teve nas vidas dos de então, e nas daqueles que depois nasceram, não só o facto de poder estar a escrever este texto tão livre e descomplexadamente a comprovam como nos dias que actualmente atravessamos mais confirma que não só não deve ser esquecido como celebrado alegrando-me a mim perceber o importante significado de ter nascido em liberdade e de ver alguém não português a celebrar um dos mais importantes dias da História Mundial.
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7 / 10
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