sábado, 24 de maio de 2014

Velvet Road (2012)

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Velvet Road de L. Gustavo Cooper é uma curta-metragem de ficção norte-americana que nos remete para os idos anos 60 do século XX onde o profundo sul norte-americano atravessa uma grave epidemia que as elites dominantes rapidamente associam à cor da pele dos Homens.
Bobby (Thomas R. Martin) segue com a sua mulher Carolyne (Heather Ricks) para o hospital onde se espera que esta dê à luz o seu filho. Carolyne está infectada com um virus que se diz ser transmitido pela população afro-americana.
De repente Bobby acorda nos escombros da sua carrinha que capotou e na qual já não se encontra a sua mulher. Com lapsos de memória e com Carolyne por descobrir, Bobby caminha pela estrada onde não só a sua memória é recuperada como também um conjunto de surpresas pouco agradáveis.
O inteligente e arriscado argumento de L. Gustavo Cooper, Alexandria Lewis e Bragi F. Schut não só reinventa o estilo de filme de mortos-vivos/infectados mostrando uma vez mais que as possibilidades para o género são, de facto, infinitas, como faz de Velvet Road um dos mais originais e mordazes filmes não só dentro da sua temática como na essência da sua mensagem.
À semelhança do que sempre aconteceu nos grandes feitos cinematográficos do género em questão, Velvet Road tem também a sua abordagem social e política. Desde que este género é explorado que os seus realizadores, pelo menos aqueles que ficam na História do cinema pela qualidade dos seus feitos, tiveram a preocupação de inserir a trama apocalíptica num contexto social, político, económico ou cultural de onde se pudessem tirar conclusões e ideias sobre os tempos que se faziam sentir. Normalmente sempre em épocas temporais reais de colapso, a temática do vírus assassino que mortifica a população, explora a condição humana no seu limite... político ou económico quando se sentem grandes transformações no contexto governativo, ou mesmo social e cultural quando somos levados a meios mais pequenos e onde supostamente a dita evolução não chegou ou ainda não se enraizou. Sentimo-lo logo de imediato naquele que relançou o género já nos também idos anos 60, mais concretamente em 1968, ou seja, Night of the Livind Dead, de George Romero, que suscitava um claro olhar repreendedor ao racismo que se fazia sentir no sul dos Estados Unidos para com a população afro-americana e que Velvet Road recupera de forma mais mordaz e explícita.
Aqui Cooper, Lewis e Schut voltam a pegar na temática rácica e introduzem-nos neste universo de mortos-vivos (ou infectados não é esclarecido) no qual é propagada a ideia através dos media (a rádio mais concretamente) que este vírus que elimina a população parte dos afro-americanos... o vírus, a doença, e infecção e a morte são assim imediatamente conotados com esta população e, como tal, o trio de argumentistas coloca-nos neste universo onde aparentemente todos caem mortos mas a culpa é remetida apenas para alguns sem que, aliás, o espectador tenha qualquer indicação de que isso possa ser realmente um facto ou, mais óbvio ainda, dos quatro protagonistas que dão "vida" a este filme seja o afro-americano o único que escapa com vida, ficando os demais infectados como podemos observar através de um conjunto de flashbacks e imagens no "presente" fílmico.
A doença é então não necessariamente aquela que afecta claramente a população deixando-os seres sem pensamento racional mas sim aquela que colhe o seu raciocínio em vida e que os faz considerar outro ser humano um animal, ou pior... um vírus, que se espalha como uma doença da qual ninguém sabe a sua verdadeira origem. No fundo aquilo que os argumentistas nos obrigam a pensar é na intolerância que o Homem tem para com o seu semelhante e para com a diferença, ignorando irracionalmente a necessidade que existe em conhecer o "outro". O ódio é então a verdadeira doença, pois obriga toda uma população a segregar a outra sem nenhum fundamento lógico para além daquele ilógico que é o preconceito. O preconceito para com a diferença, por uma sociedade que incute um conjunto de "valores" falsos, incorrectos e cujo único fundamento é o ódio, a intolerência e de certa forma a própria violência.
Entregue quase exclusivamente aos actores Thomas R. Martin e Walter J. Colson, Velvet Road estabelece uma momentânea, mas ainda assim decisiva, relação entre estes dois homens que não se conhecendo acabam por partilhar a dádiva da vida de uma forma fugaz mas determinante. A indiferença com base no preconceito poderia ter levado a que o "Bobby" de Martin seguisse o seu breve caminho (pois estava também ele infectado), e é depois de encontrar a sua mulher (há que ver a curta para saber o que acontece) que este percebe que tem de dar a oportunidade de fuga e de uma potencial sobrevivência àquele homem injustamente acusado de propagar um vídeo apenas tendo por base a sua cor de pele. E é o "Miles" de Colson que em fuga de uma morte certa nos dá a conhecer que o mundo está perdido, numa mutação constante e determinante da qual poucos conseguirão eventualmente fugir.
Ainda três destaques positivos para a óbvia qualidade da caracterização não só dos infectados mas também do conjunto de actores graças ao trabalho de Keri Griswold, Niki Todd, Matthew Silva, Dustin Fletcher e Andrew Valentine, ainda para a sua direcção de fotografia de Andy Howell que nos insere num ambiente climatericamente quente e socialmente tenso, e finalmente para a música original da autoria de Brian Jerin que sem se desviar cronologicamente da época nos remete para um tempo mais contemporâneo, sem esquecer a sentida interpretação de "This Little Light of Mine" por Patrick Evan McMillan.
Velvet Road é, sem grandes reservas, um dos melhores filmes sobre a temática mortos-vivos/infectados (novamente repito que aqui fica essa porta em aberto por não nos ser esclarecido aquilo que realmente eles são) dos últimos tempos graças não só à sua perfeita execução técnica mas também, e talvez principalmente, por ser um dos raros filmes que consegue de forma inteligente transportar a referida temática para um universo socialmente conturbado e aplicar no seu enredo uma crítica mordaz a uma época e a uma sociedade.
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9 / 10
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