domingo, 12 de abril de 2015

A Porta 21 (2015)

.
A Porta 21 de João Marco é uma longa-metragem de ficção portuguesa e a segunda que se encontra em competição no FESTin - Festival de Cinema Itinerante da Língua Portuguesa que decorre até ao próximo dia 15 no Cinema São Jorge, em Lisboa.
Ele (Pedro Monteiro) é um escritor que termina a sua obra-prima. No entanto, quando esta desaparece graças a um amigo que deseja ter o seu golpe de sorte pelas mãos do trabalho alheio, o confronto entre ambos torna-se inevitável. Mas quando estranhos acontecimentos ocorrem dando lugar à tragédia, Ele estava longe de imaginar que toda a sua existência iria ser transformada e conhecer toda uma nova perspectiva até então desconhecida.
Num enredo que nos parece querer levar a dois distintos mundos, o realizador e argumentista João Marco fá-lo não só de forma subtil como nos consegue emergir naquilo que de melhor (e pior) ambos têm. Passo a explicar... Inicialmente o espectador assiste àquilo que aparenta ser a vida perfeitamente normal de um homem (Pedro Monteiro)... escritor com nova obra prestes a sair e com uma vida relativamente tranquila. É quando percebe ter sido ludibriado por um amigo que procura o seu próprio lugar ao sol que tudo começa a cair num abismo sem aparente volta que culmina com o assassinato deste último numa rua deserta após uma discussão entre ambos. Terá sido justiça poética?
Verdade ou não, o que é certo é que toda a sua existência é imediatamente alterada lançando-o numa espiral de medo e desconfiança de todos aqueles com quem se cruza ao ponto de considerar que o único local a salvo será longe desta Humanidade detestável (e detestada). E é aqui que se nota uma evidente "quebra" na linha condutora de A Porta 21.
Se nos primeiros instantes o espectador assistia a um filme que tinha um misto de film noir, policial negro com uma homem justo a braços com a maior injustiça da sua vida, e que tenta a todo o custo encontrar o assassino do seu amigo traidor e repôr a sua vida perdida - num clima que é uma clara reminiscência de The 39 Steps, de Alfred Hitchcock (1935) - não é menos verdade que rapidamente entramos numa atmosfera de filme apocalíptico com o mesmo homem a viver nos destroços de um antigo edifício e que observa tudo ao seu redor sem sinais de movimento aparente e que nas fugas do seu agora novo "espaço" vagueia por ermos amplos e abandonados como se nada já existisse para lá daquilo que o nosso olhar consegue captar - segmentos houve que me fizeram recordar The Road, de John Hillcoat (2009) removendo claro a parte do cataclismo que faz desaparecer a Humanidade.
Não que João Marco se tenha inspirado nestas duas longas-metragens mas, se A Porta 21 se inicia com a personagem principal com uma identidade reconhecida pela sociedade enquanto escritor de sucesso - tal como o "Hannay" de Robert Donat no referido The 39 Steps também é reconhecido pela sua comunidade - não é menos verdade que ao longo de todo este filme a esta personagem interpretada por Pedro Monteiro nunca lhe é conhecido um nome - tal como a Viggo Mortensen em The Road - conferindo-lhe assim uma inegável existência mas não necessariamente uma individualidade.
Outra das conclusões que o espectador pode imediatamente retirar de A Porta 21 é a forma como a personalidade, ou até mesmo o indivíduo, se podem mesclar e confundir com aquilo que faz, isto é, até que ponto cada um de nós é aquilo que faz e não (também) todo um outro conjunto de elementos e actividades pelos quais se interessa? Seremos nós apenas o fruto de uma tarefa que executamos ou existe todo uma vasta panóplia de características que nos identificam perante os outros? Aquilo que aqui temos presente é o facto deste homem (Monteiro) - a quem lhe é retirado o livro pelo qual tanto lutou por terminar - perder toda a noção de realidade a partir daquele exacto momento. Seria aquela a sua única realidade? Estaria assim afectado por ela ao ponto de perder a noção da sua vida para lá do mesmo? Poderia ele recuperar de este evento que foi, para si, traumático ao ponto de lhe remover a sua própria identidade, gostos e actividades mais ou menos banais? Seria ele apenas mais um instrumento da obra que tenta - e conseguiu - terminar? Existirá ele para lá da mesma?
Pedro Monteiro, actor principal e também ele um dos argumentistas de A Porta 21, torna-se assim numa dupla personagem de um mesmo filme. Por um lado um homem respeitado pelos seus pares e um notável na sua arte enquanto que por outro se torna num indigente irreconhecível, alguém que tenta sobreviver das amarguras da rua onde vive e que planeia - espera - o seu próprio regresso de uma partida pelo qual o próprio optou. De olhar intenso que oscila entre o génio e o louco, Monteiro oferece ao espectador uma viagem às profundezas da alma da sua personagem que por momentos compreendemos ser prisioneira de si própria - o segmento na ponte é o seu maior exemplo.
Um claro salto qualitativo desde a sua primeira longa-metragem - Além de Ti - João Marco entrega com A Porta 21 uma história mais complexa que é, ao mesmo tempo, um portento a nível técnico onde se podem destacar imediatamente a montagem que faz o espectador oscilar entre os dois mundos de forma paralela mas que são, na prática, tidos como uma linha contínua, e a direcção de fotografia - ambas pelas mãos do realizador - que consegue captar o melhor dos dois mundos - film noir vs. filme apocalíptico - provocando o ambiente soturno do primeiro e o desolador do segundo, e isto sem esquecer a música original de Pedro Calquinha que se impõe na narrativa sem qualquer vergonha criando uma atmosfera por vezes surreal mas assumidamente intensa.
Invulgar - não lhe posso atribuir mais elogioso adjectivo - no panorama de longas-metragens nacionais, A Porta 21 é um daqueles filmes que quem arrisca irá criar um elo de simpatia com o mesmo e perceber que a vitalidade do cinema português - e independente - está presente e muito bem recomendada.
.

.
8 / 10
.
.

Sem comentários:

Enviar um comentário