sexta-feira, 3 de julho de 2015

Nós na Rua (2012)

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Nós na Rua de Luís Margalhau é um documentário português que teve recentemente a sua estreia comercial em sala e que nos transmite um mundo que é tantas vezes ignorado... o dos artistas de rua da Baixa de Lisboa.
Este documentário abre com a imediata percepção das ruas turísticas de Lisboa onde todos os mundos se cruzam... desde os turistas aos sem-abrigo, dos trabalhadores aos desempregados, padres, novos ou não tão novos, todos cruzam as ruas de forma mais ou menos anónima. E se isto não bastava para compreendermos a universalidade de uma cidade como Lisboa, é quando conhecemos os entrevistados que esta se confirma. Eles chegam de todas as partes... de outras localidades de Portugal, do Brasil, de Espanha e até da Suíça, são inicialmente conotados com a ideia de que são mais um conjunto de sem-abrigo que com um instrumento musical na mão encontram em Lisboa o seu próximo "pousio". Mas aos poucos percebemos que não é bem assim...
Nós na Rua leva-nos a conhecer alguns destes músicos de rua - alguns dos quais com formação superior na área - como Christian Grosselfinger com formação em música clássica e que deixou o Brasil rumo a Viena e da capital austríaca rumo a Lisboa onde toca violoncelo na Rua Augusta, ou Bernat Rebés Ruiz que deixou Barcelona e percorreu o norte de Espanha até chegar à capital onde no Chiado toca violino.
Conhecemos ainda Tony Banza, conhecido músico também no Chiado, que abandonou o seu Alentejo natal e que se encontra em Lisboa desde meados dos anos 80 onde toca e canta fados - alguns de sua autoria - ou ainda Ananda que abandonou a Suíça onde era professor rumo a Lisboa onde toca Didgeridoo. Conhecemos ainda entre os inúmeros artistas de rumo, Joel Oliveira, bailarino de samba que também na Rua Augusta revela ter o seu dia conquistado quando cativa a atenção das crianças que por lá passam com os seus pais, e ainda é voluntário na Missão Sorriso.
Todos eles com um ponto em comum ao revelarem que preferem tocar para um público na rua onde o improviso pode ser uma constante mas que, ao mesmo tempo, se libertam das condicionantes de uma sala de espectáculo onde nem todos lá conseguem chegar, muitas vezes derivado dos preços praticados na bilheteira mas todos, sem excepção, revelam que a sua sensação de liberdade é na rua sentida ao seu máximo. A arte como um serviço social capaz de transmitir (pelo músico) e receber (pelo público que passa) energia.
Mas nem tudo é dourado como poderia fazer antever esta sensação de liberdade e os perigos - ou pelo menos alguns precalços - podem também surgir nomeadamente com a imprevisibilidade climatérica - que Grosselfinger diz não ser muito sentida em Lisboa ao contrário de Viena onde começou - ou alguns atritos entre os diversos artistas de rua quando sentem o seu espaço ocupado, como revelado por Bernat, ou mesmo aquele que é mais provável e talvez um dos elementos mais importantes deste documentário quando revelados os valores das licenças que precisam possuir para poderem ser artistas de rua. Se o estilo de vida é assumidamente mais modesto, estes músicos questionam-se (e nos) sobre os valores praticados pela autarquia para lhes passar a licença. Valores que não só são extremamente elevados são também cobrados a um ritmo quase impossível de sustentar e, como tal, que leva os mesmos a viver numa clandestinidade que só joga contra vivendo num constante fugir das autoridades ou sujeitar-se às suas sentenças.
Interessante pela perspectiva e desmistificação da ideia pré-concebida de "artista de rua" como um mendigo que resolve "dar espectáculo", Nós na Rua lança - ainda que de forma tímida - o tal olhar sobre a multiculturalidade de Lisboa bem como sobre a crise e a necessidade que a uns obriga e a outros tira a vergonha de se lançarem sobre uma nova forma de adquirir o seu sustento e também alguma (ainda que relativa) liberdade.
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7 / 10
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