terça-feira, 6 de outubro de 2015

Felices 140 (2015)

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Felizes 140 de Gracia Querejeta é uma longa-metragem espanhola e que remete o espectador para a história de Elia (Maribel Verdú), uma médica veterinária prestes a completar o seu quadragésimo aniversário para o qual convida todos os amigos para uma festa numa enorme mansão.
Tudo começa numa sexta-feira onde durante o jantar Elia revela à irmã Cati (Marian Álvarez), ao cunhado Juan (Antonio de la Torre) e ao sobrinho Bruno (Marcos Ruiz) assim como aos seus amigos Ramón (Eduard Fernández), Martina (Nora Navas) e Polo (Alex O'Dogherty) bem como a Mario (Ginés García Millán) que sempre amou mas que surge com Claudia (Paula Cancio) para os festejos, que é a anónima vencedora do Euromilhões.
Mas é após a desgraça gerada pela discussão entre Elia e Mario fruto de um passado não resolvido, que todos os amigos e familiares resolvem poder tirar partido de uma situação na qual jamais pensariam estar envolvidos.
O argumento de Felices 140 da autoria de Gracia Querejeta e Santos Mercero cai na imediata contradição com o seu título na medida em que enquanto vamos conhecendo as diversas personagens percebemos que as suas vidas são tudo... menos felizes. Nem mesmo o dinheiro, e aquilo que poderia fazer para o bem de "Elia" e dos seus amigos consegue mostrar o lado feliz da vida.
Todos demonstram as suas próprias frustrações, egoísmos e sentimentos reprimidos que a amizade, ou aquilo que apelidavam como sendo amizade, fez esconder durante anos. Se uns vivem os seus dramas de violência encapotada com a cor do amor, e se outros escondem os seus dramas financeiros, não é menos verdade que para alguns a ideia de poder ter mais dinheiro... é sempre muito apelativa, e "Elia" e o seu prémio passam a estar na imediata atenção de todos eles, e aquilo que começa como uma celebração passa muito rapidamente a revelar-se como um ninho cheio de víboras prestes a atacar.
Ao final de um dia revelam-se todos os problemas relacionados com dinheiro vindos de potenciais investimentos e lucros fáceis, ou aqueles consequentes de uma tentativa de vencer na vida que não tendo resultado os deixou anonimamente amargos. "Elia" e o seu passado começam então a ser um alvo fácil demais para abater e a sua potencial riqueza um bónus do qual todos querem retirar um bocado. A "Cati" de Marian Álvarez vítima de violência doméstica acaba por se tornar numa das potenciais mais fortes interessadas no que "Elia" apresenta. Tendo potencialmente uma vida estabilizada, "Cati" revela-se como uma mulher aprisionada dentro do seu próprio espaço invejando não só o que a irmã tem como repudiando todas as ajudas que esta lhe poderá dar e, ao sentir-se atacada, responde com os segredos de um passado que jamais poderá ser recuperado.
A amizade é agora uma miragem dentro de um cenário onde a morte já marcou presença - por duas ocasiões - e onde todos os recalcamentos do passado se demonstram e revelam longe da sua repressão. Todos querem um pouco do que "Elia" ganhou pensando que a ele têm direito estando, no entanto, a penhorar aquilo que os levou àquele espaço... a amizade e o companheirismo.
Se por um lado "Elia" se revela uma mulher com muito dinheiro e capaz de ter tudo aquilo que sempre desejou, não é menos verdade que silenciosamente se assume profundamente solitária e sem aquilo que sempre desejou... uma família ao lado de "Mario" e o filho que perdeu... É através destes dois elementos que perde para sempre que todos os demais sentem e percebem poder tê-la na mão controlando os seus movimentos, as suas vontades e os seus desejos da independência que o dinheiro agora ganho lhe proporcionam. "Elia" passa então a encontrar-se dentro de uma prisão a céu aberto de onde os outros parecem ter a chave que lhe irá conferir - ou não - a sua liberdade.
Ao mesmo tempo que o espectador conhece esta história, consegue também perceber que ela representa o passado, ou seja, a origem de tudo aquilo que apenas presenciaremos no final de Felices 140, e da situação em que todas estas personagens de certa forma amaldiçoadas "terminam". Uns solitários, outros abandonados mas todos com a ilusão de que o dinheiro ganho - por "Elia" - é o fruto da resolução dos seus próprios problemas. Todos se vendem por aquele que julgam ser o melhor preço mas "Elia" recupera a sua confiança quando se junta a ela um dos menos improváveis de todos os seus - até então - amigos.
É também através das ocasionais entrevistas efectuadas aos - então - "verdadeiros" vencedores do Euromilhões que o espectador percebe a conclusão desse tal passado. A percepção de que "Elia" perdeu face às chantagens que lhe fizeram e que colocaram em causa a sua sanidade física e mental levou-a a abdicar de tudo - e todos - e sem lhe conhecer o destino percebemos que talvez consiga manter a sua própria felicidade e tranquilidade junto daquele que foi possivelmente o seu único amigo em todos os anos que se conheceram.
Felices 140 está longe de ser uma comédia apesar daquilo que o seu título e premissa poderiam fazer adivinhar. Esta longa-metragem revela o lado negro e escondido de cada um de nós capaz de se vender e ser comprado por um determinado preço traindo dessa forma não só os princípios pelos quais se diz reger como principalmente aqueles que depositam em "nós" a sua maior confiança e credibilidade. Toda a amizade tem um preço... e aqui ele é pago com dinheiro... e sangue.
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7 / 10
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