domingo, 24 de abril de 2016

Ilegitim (2016)

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Ilegitim de Adrian Sitaru é uma longa-metragem romena presente na secção Silvestre do IndieLisboa - Festival Internacional de Cinema Independente que decorre em Lisboa até ao próximo dia 1 de Maio em várias salas da capital.
Numa reunião de família, os filhos Anghelescu questionam o pai Victor (Adrian Titieni) sobre o seu passado enquanto informador durante a ditadura comunista de Ceausescu.
A partir deste momento o espectador observa a dissolução da família Anghelescu - pai versus filhos - apenas para confirmar a estreia relação amorosa existente entre os gémeos Sasha (Alina Grigore) e Romeo (Robi Urs).
A protagonista Alina Grigore escreve em parceria com o realizador, o argumento deste Ilegitim que desde os primeiros instantes leva o espectador a uma viagem aos meandros da memória de uma família numa Roménia do século XXI. Num momento em que o país tenta viver no pós-ditadura onde muito ainda existe por expiar, e com alguma sentida crise económica, observamos aquilo que resta de uma família após a morte do que os unia... a mãe (enquanto personagem ausente).
O espectador cedo percebe que a relação entre "Victor" e os seus quatro filhos "Cosma", "Gilda", "Romeo" e "Sasha" mais a adoptada "Julie", é tensa. Nada existe que o comprove de facto, mas é sentido o distanciamento que se percebe naquela mesa durante o que se pensa ser uma amena refeição em família. Num momento que é já de si tenso pela sentida falta de tranquilidade entre todos, surge a conversa sobre o passado, sobre os registos da memória colectiva de uma feroz ditadura e sobre a prática de aborto, então ilegal.
A divisão entre o que é moral e o que é legal, a discussão diverge sobre o papel de "Victor" durante estes anos e sobre como era um (in)voluntário (?) informador do regime a respeito das mulheres que a ele recorriam enquanto médico. Numa divagação entre o que estaria correcto enquanto indivíduo versus a sua ocupação estatal, o distanciamento entre as posições dos seus filhos agudiza-se não só moralmente como também fisicamente.
Neste primeiro momento de Ilegitim, o espectador abraça então a ideia que o desfecho da relação entre pai e filhos aparenta estar irremediavelmente afectada sendo que, no entanto, não o seria apenas por este motivo. Subitamente entramos num segundo momento desta história quando conhecemos mais de perto a história entre "Sasha" e "Romeo", os dois gémeos filhos de "Victor" que no segredo da casa que partilham com os irmãos, mantêm uma relação de dependência incestuosa cujo resultado se avizinha.
No seio desta família que parece modelada de acordo com as necessidades do próprio conceito de família temos um conjunto de jovens irmãos que parece ter obtido tudo que a vida lhes possibilitou, um irmão mais velho "Cosma" que estudou para ser o "cérebro" da família e, finalmente, "Gilda", a irmã mais velha que abdicou de si, da sua felicidade e dos seus momentos para cuidar de todos. É ela - interpretada por uma sempre contida Cristina Olteanu - que representa o lado mais sentimental de Ilegitim. Servindo de ponte de ligação entre irmãos e destes para com o seu pai, "Gilda" é uma mulher que nos seus trinta's se apagou da vida colocando mesmo o seu noivo num segundo plano que o espectador mal chega a conhecer. Não sendo um "parente pobre", ela acaba por se assumir como o barro que os une - ainda que muito timidamente - e o momento final em que todos tiram uma fotografia de família onde o próprio animal de estimação da mesma parece mais importante estar enquadrado do que ela, revela o quão irrelevante é a sua presença para os demais. Todos parecem ter evoluído para um certo ponto - melhor ou pior - estando ela sempre um passo atrás dos demais como que não tendo evoluído - apenas timidamente testemunhado - para outro patamar.
Aparentemente desprovidos de uma moral, os Anghelescu não conseguem estabelecer uma linha entre esta e o legal e numa sociedade onde todos parecem colocados à margem do que aconteceu - e acontece - o espectador questiona-se sobre o que será, realmente, ilegítimo (Ilegitim)?! Será ilegítimo o pai ter denunciado as mulheres que praticavam aborto no anterior regime? Será ilegítimo uma relação incestuosa entre os dois irmãos? Será ilegítima a gravidez daí resultante? Será ilegítimo levar esta gravidez até ao final? Será ilegítimo condenarem o pai tendo agora eles de decidir entre abortar ou não? Num constante conflito moral, o espectador questiona-se sobre o futuro de uma invulgar relação familiar que tudo aparenta ter para falhar. "Os acidentes mudam as vidas" diz algures no tempo um "Victor" amargurado. Mas a grande questão coloca-se sobre se podem, ou não, prevenir esses mesmos acidentes impedindo-os de acontecer ao mesmo tempo que se questiona sobre a moralidade de trazer ao mundo um ser que será - a seu tempo - também ele uma vítima do incesto e da imoralidade aos olhos da sociedade...
Num constante dilema Ilegitim apenas se torna mais frágil na ligação entre os diversos momentos deixando uma certa dispersão - ou inconclusão - sobre a relação entre ambos. Parecem momentos vazios. Nunca se chega a uma imediata conclusão sobre a relação entre pai e filhos ou sobre o passado de "Victor". Tão pouca se chega a um desfecho sobre a aceitação da família a respeito desta relação inicialmente tida como imoral mas que repentinamente se abraça como um "acidente" que os mudou e que trouxe mais um fruto inesperado de um amor proibido. Com um conjunto de interpretações que mereciam uma melhor e maior exploração sobre o seu íntimo - e também sobre o seu próprio passado - pois afinal para ali "chegarem" alguém teve de perecer pelo caminho, Ilegitim consegue levantar mais questões do que aquelas que fecha. Explora mais caminhos do que aqueles que encerra deixando, no final, todo um conjunto de questões éticas e morais que apenas o espectador pode - segundo a sua moralidade - responder e finalizar.
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